Hello, Darkness
Dias frios, eu e o Pepe
De tempos em tempos eu me perco de mim, me perco em mim. Reluto em assumir que estou sem mapa, sem bússula, eu seria uma péssima navegadora mesmo tendo um excelente senso de direção. Para o alto e avante não é um bom mote quando se vive confinada em si. Cantarolo “Me perco nesse tempo”, Mercenárias continua sendo parte do caos que me orienta e esse é um indício de que conheço meus caminhos: a música, os livros, as pessoas.
O bar faria parte dessa lista e essa é uma falta que nem a análise resolve. Ser uma fumante que não fuma, uma boêmia que não bebe, faz parte da crise de meia idade de uma Rê Bordosa que viveu para contar e agora enfrenta o eterno presente de viver a velhice no novo milênio. Há quem sofra pelos mais diversos motivos, eu sofro pelo século XX. Não foi o melhor dos tempos, eu bem sei, mas foi um tempo de utopias e a morte de Pepe Mujica nos indica que sonhar com um mundo melhor - principalmente lutar por - virou puro saudosismo.
Como explicar para uma geração que tem que lidar com Virgínias e variações sobre o mesmo tema que houve um tempo em que as pessoas dedicavam suas vidas à luta contra o autoritarismo? Um anarquista com contradições, o sonho de uma América Latina livre, a utopia da justiça social, de uma sociedade sem classes e sem exploração. Como abordar a concretude da luta libertária quando não mais utopia alguma? Quais são os sonhos das novas gerações? Ter 53 milhões de seguidores e ser uma estelionatária que enriquece vendendo patifarias?
Não é à toa que Odete Roitman, outrora a maior vilã das novelas brasileiras, está se tornando uma personagem sensata com a qual a maioria das pessoas se identifica, pois rodeada de idiotas. Envelhecemos mal, nós o povo brasileiro, que nunca fomos latinos, muito menos libertários, apenas eternamente colonizados, por europeus, pelos lambe botas estadunidenses, pelo capital alienante das big techs.
Lembro de Ellen Burstin arrasadora como a mãe de Requiém para um sonho e não posso deixar de pensar no prenúncio desse novo envelhecer, à base de botox e ozempic, toda a nossa existência moldada pela estética tiktoker. Publish or perish ganhando novos e impensáveis contornos, não apenas o publicar, mas o tornar público, um simples jogo de palavra que indica estarmos perdendo as batalhas, a guerra toda.
Alguém jogou fora uma caixa de livros e não hesitei em escolher os mais interessantes enquanto criava uma fanfic sobre a possível ex-professora de escola com um certo senso crítico que faleceu e deixou uma prole conservadora com pouco apreço pelo saber em geral, quem dirá pela boa literatura. Quem é que ainda guarda livros, a não ser velhas saudosistas como esta que vos escreve?
A vida anda triste e sem cor, depois de dias felizes e brilhantes no calor de Recife, o frio fascista curitibano anda fazendo emorecer até a mais esfuziante das pessoas, imagina uma senhorinha decrépita. Mas eu sou teimosa e, se tudo me abala, sigo abalada mesmo. Decidi reler A Insutentável Leveza do Ser - tenho uma história de amor com o filme e com o livro - e achei Tomás insuportável, insisti um pouco mas não consegui avançar muito. Exatamente como nos amores passados, há que se conservar a lembrança dos bons tempos, mas deixá-los lá, no passado.
Como quem busca sabedoria em biscoitos da sorte, olho em volta em busca de sinais que indiquem que tudo vai dar certo, mesmo que não seja agora. Aparentemente, Sísifo cansou de ser imaginado feliz e encostou a pedra num cantinho enquanto fuma um cigarro.
Aguardemos.



tu escreve bem, hein, mulher.
Que primor de texto, que lixo de sociedade! Tal qual Sisifo por aqui, porém tentando não fumar!